9.17.2009

Exurbano


EXURBANO


Meu avô era espanhol. Las Herencias é sua cidade natal, próxima de Toledo. Terra de oliveiras e trigo. Aos 10 anos já dava murro no guatambu no sertão de Matão. Aos 20 corria das onças. Aos 30 plantava café em Pompéia; operário aos 50. Aposentou-se como vigia da Mesbla. Meu pai, comerciante na distante Marília, capital nacional da bolacha. Eu, publicitário, cineasta, animador. Larguei São Paulo quando nasceu minha terceira filha. Prole grande pede vida no campo.

Fugia da poluição, da insegurança e da confusão. Exodo rural em fluxo inverso. Cai no Japi, serranias de Jundiaí. Fiz um fogão a lenha igual ao que minha mãe não tinha. Casa dividida na cumeeira, como a casa na infância não fora. Cenografei a roça onde ela não existia. Reconstrui uma tradição que não me pertencia. Torrei café, plantei feijão, fiz vinho. Da varanda de minha casa no campo sinto cheiro de bosta de vaca e ainda não sei o que fazer com tanto leite.
Tentei a ferro e fogo me tornar o caipira que não sou. Sou urbano. Degredado, exilado, mas urbano. Não sei andar descalço no mato, demorei 4 anos para abandonar as botas. Sou urbano mas ja tive berne, carrapato e bicheira. Minha casa não tem pardais, não tem baratas; mas tem internet via satélite. Fogão a lenha e energia solar. Acordo com as galinhas mas filmo o nascer do sol para ver depois. Mão rija, pele queimada, mas um olhar definitivamente urbano. Olhar atento que estranha o dia dia, que se espanta com formigas, se impressiona com coco de sapo, que se delicia com os jacus e persegue os macacos.

Acordar na roça, almoçar no japonês. Powerbook e moto-serra. Acima de tudo o contraste do tempo. Tempo da roça se mede em meses, em estações, tempo da cidade em minutos - e que dizer dos segundos que duram meus filmes??

Tenho um certo medo do burrão, não sei matar galinhas e fervo a agua antes de beber. Não cubro os espelhos durante a tempestade, ao contrário fico olhando os raios e calculando a distância. Ando no mato de facão e botas, mastigo talo de goiabeira.

Minha casa pega vento sul bem de frente e sol nascente na varanda. Precisão científica no alinhamento magnético. Programo seus fluxos energéticos. Entendo o feng shui mas tenho uma caveira de boi espetada na varanda.

Ex urbano, assisto discovery channel em meu jardim, acho o nascer do sol superinteressante. Olho internet pra saber se posso plantar. Preservo a natureza no formol fotografico, digital é claro...


Um comentário:

Tietta Pivatto disse...

Lindo texto!!

Reflete perfeitamente o conflito de nossa dependência do meio urbano com a necessidade de estar pertinho do mato...

Parabéns!

Abraços,

Tietta Pivatto