7.13.2006

Os olhos da cara


Não se sabe ao certo quando surgiram pela primeira vez. Começaram a aparecer, simplesmente, talvez inofensivas; nos olhavam com seus pequenos olhos negros, seguiam atentamente nossos movimentos, sem que nada indicasse maldade. A única coisa certa é que o tempo todo mantinham o gado sob controle. Cada boi, cada vaca, uma pequena garça branca ao lado.

Agora o pasto oferece uma paisagem estranha de se observar. Gado nelore branco, capim brachiária verdinho e pequenas garças brancas acompanhando cada animal. Aparentemente existe uma relação muito forte entre eles. Impossivel determinar o que se passa na mente de uma vaca. Provavelmente ruminar exige um esforço mental sobre-humano. Isso talvez explique o olhar bovino, plácido, misterioso. A garça, por sua vez, com a cabeça fina e pescoço longo, camufla seus sentimentos e intenções.

O desequilibrio ecológico tem como caracteristica gerar alterações insuspeitas no funcionamento do mundo. Uma borboleta que voa aqui, uma tempestade que acontece na China, quem pode estabelecer relações causais? Pantanal, Jalapão, fragmentos de mata atlântica, de onde surgiram essas garças? O fato é que o gado deve ser abatido. A qualquer momento chegará o caminhão e centenas de reses devem embarcar. Com seus olhares miúdos elas me encaram olho no olho e seu bico fino parece indicar uma saída. Dificil prever o comportamento dos animais; o stress do embarque, a perda das referências.


O sol forte me castiga os olhos, sinto falta de óculos protetores. Notícias esparsas vindas da região centro-oeste dão conta que em Matupá - cidade de fronteira agricola com a pecuária em expansão - foram encontrado vaqueiros com os olhos vazados. O pânico se instalou, houve desespero e nenhuma explicação plausivel.

A que ponto pode chegar o desequilibrio ecológico e quais os limites do desequilibrio mental de certos animais Afastados dos juncos, alijados de seus moluscos e peixes, o que restaria a essas pobres garças se não migrar? Procurar junto a espécies mais fortes o abrigo que o homem lhes tirou? Adotar uma vaca pode parecer bizarro, mas talvez faça sentido: um fornecimento regular de carrapatos, a segurança do grupo, uma nova identidade sócio-ambiental. Sem falar na sombra. Esse benefício pode nos custar os olhos da cara.

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