1.05.2014

Curioso...

Publicado originalmente na Atualidades Ornitológicas
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Curioso







O motor tem baixa rotação, justamente para diminuir o aquecimento, o resfriamento é feito com soro fisiológico, os fragmentos de osso são retirados da face frontal externa do seio facial e colocados sob a membrana cuidadosamente separada do tecido ósseo basal do seio facial. Utiliza-se para isso um raspador semelhante ao pegador de sorvete.

Assim, delicada e rude, é a chamada cirurgia de levantamento dos seios da face, utilizada pra recompor tecido ósseo na maxila e permitir o implante odontológico. Anestesia pesada na boca e parte da face. Um cirurgião dentista e dois assistentes debruçados sobre minha cabeça e a boca aebrta, arreganhada. Lábios esticados e motor girando. A luz forte cega a pupila.

E eu ? Bem, eu estava ali no centro dessa confusão, objeto e agente. O que é que eu fazia? Observava e refletia. Mesmo em face do sofrimento, da mutilação, ainda que controlada. Mesmo em face do torpor químico e psíquico, eu observava e, curioso, tentava entender. Pode ser irônico, mas essa cirurgia, além de revelar o estado decadente de minha arcada dentária, revelou-me a essência de minha psiquê. 



Sou um observador.

Sou um observador inato, que o tempo todo olha a realidade e busca sentido. Seja o passarinho estranho cantando ao lado, seja o avião a jato que cruza o céu em alta velocidade, seja o gavião planando acima da presa (o que será que está caçando?) Sou curioso e isso me mantém vivo. Sou observador e isso me mantém atento (e vivo).


Observar aves é o lado mais humano desse modo de ser. Ave é a vida com asas. A vida que voa. Essa liberdade aumenta o caráter poético da sua observação. Mesmo assim o que conta é a curiosidade. O que será que o sabiá está comendo lá no telhado? Por que os pombos começaram a voar em círculos. Que estranho esse pitiguari ali no fio... Ptqueopariu!!! Observo permanentemente, automaticamente e sempre para tentar entender.

Quero saber: isso é ou não alienação? Isso é deficiência afetiva? Ou o que seria? Freud explica? Sim, provavelmente, mas não me importa. Sou assim. Curioso e observador. Observador e curioso.

Certa vez, vi um OVNI. Sim, um OVNI de verdade, daqueles reluzentes e não uma mera Elaenia metida a besta. Um objeto voador (quatro na verdade) brilhante que cruzava o céu a velocidade estonteante... sem ruído, todo luz e mistério. Mesmo diante da experiência metafísica de uma possível vida extraterrestre eu, altamente concentrado, curiosamente observava... Distância constante, velocidade estável, sentido sudeste, nor-nordeste, levemente azulada, silenciosos, acima da camada de nuvens.

As cirurgias têm esse caráter estranho e durante um tempo restrito terceirizamos o controle de nossa matéria e em certo sentido, morremos parcialmente pelo menos naquele segmento de tempo e naquela parcela maxilar de nosso corpo. Vamos combinar que os OVNIs também são estranhos.

Cirurgias e OVNIs são experimentos filosóficos extremos, em que, de certa forma, aprendemos sobre nós mesmos e como nos comportaremos diante do intangível. Eu, de minha parte, já aprendi: morrerei assim, observando, curioso pra saber como é que é o final.

Amém.




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